domingo, 21 de setembro de 2008

Debate risível e lamentável

Foto: Max Haack


Pouco se viu ontem no debate promovido pela TV Aratu, como é de praxe em debates políticos, propostas concretas para Salvador. Para a tristeza da população soteropolitana, em todo o programa ou o telespectdor ria ou se lamentava. Ria quando Hilton Coelho, candidato pelo PSOL, fazia pilérias com o nome do prefeiturável pelo Democratas (DEM), ACM, "o Neto". Ria quando a câmera flagrava a cara de tacho do atual prefeito João Henrique, que de tão desarticulado, nunca sabia gerir o tempo de sua fala (como então poderia ele gerir uma cidade?). Riu também quando João errava o nome do ultrasocialista, chamando-o de "Rilton". Essa foi a parte engraçada, ao mesmo tempo preocupante.

A outra parte é mais grave, porque lamentável. O telespectador se lamentou quando ACM Neto ficou sem resposta ao ser perguntado por Antônio Imbassahy sobre seus projetos na Câmara Federal voltados para a modernização da capital baiana. Lamentou-se de constatar que dois gestores desta cidade, João Henrique e Imbassahy, legaram à soterópolis um abismo financeiro. Lamentou-se em saber que o candidato do DEM ache positivo que sua bancada na Câmara de Vereadores tenha aprovado um PDDU polêmico e questionável por várias entidades importantes para o desenvolvimento urbano, como o Crea e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). E deve ter se lamentado muito em ver Walter Pinheiro não assumir o jogo político de seu partido, o PT, que, de fato, tergiversou para o atual prefeito, quando foi responsável pelas secretarias onde hoje estão os piores problemas da cidade, como a de Saúde.

E, sem dúvidas, deve ter sentido arrepios de asco, quando presenciou a cena deprimente de um ex-prefeito, responsável pelo maior rombo nas contas públicas que esta cidade já viu, sob o atual papel de radialista, Mário Kertsz, querer bancar de estrela do debate e de paladino da cidadania, cometendo barbaridades que só fizeram contribuir para empobrecer um debate já trágico e expor quanto rídiculo é exercendo a atividade jornalística. De quebra, além de ridículo, Kertsz foi ingênuo, porque permitiu ao candidato Imbassahy afrontá-lo em rede de televisão, chamando-o de mentiroso, fazendo-o deste modo sair da posição de conforto, sempre em ataque através das ondas do rádio, que ele se acostumou a estar desde que saiu da prefeitura - temerária, diga-se de passagem - para se voltar à comunicação.

Por último, sem esquecer, vou deixar minha opinião muito clara quanto ao melhor desempenho do debate. O candidato do PSDB, Antônio Imbassahy, sobressaiu-se porque não recuou quando justificou sua ruptura com o carlismo, ignorou bem as perguntas mal formuladas de Hilton Coelho e atacou com propriedade as fraquezas de ACM Neto e Pinheiro.

sábado, 20 de setembro de 2008

À Sauípe, a boa nova

Foto: George Brito


Se Sauípe Folia é sem dúvida um "feudo burguês" não esperem que seus escravos assinem a carta de alforria. Pelo contrário, eles vão pagar para acorrentar-se o tempo que possível nos pilares paradisíacos, ou melhor, afrodisíacos, daquele complexo hoteleiro que a cada ano, durante três dias, sustentam uma burguesia em polvorosa e em êxtase, alguns deles literalmente. E neste caso, desculpe-me Cazuza, a burguesia cheira muito bem. À mulher, digo, sem vícios...

A composição, acreditem os incautos, é bem assim: um conjunto de hotéis luxuosos à beira de uma natureza exuberante, música, bebida, e lindos corpos femininos com duas peças de roupa miúdas a desfilar diante de olhos masculinos atentos e às vezes incrédulos (sei, leitoras, que nas suas cabecinhas, a coisa é inversa, e trata-se de uma peça só, mas cada macaco no seu galho). Embebeda-se rindo à toa durante o dia na piscina, vê-se o anoitecer já dançando, e madruga-se ensadecido após trio elétrico e banda no palco. Neste percurso, conhece-se uma pessoa ou outra, mas, acredite, isso é um mero detalhe. A trajetória é exaustiva, mas seu quarto de frente para o mar está ali à sua espera, que besteira.

Por isso, desde de que voltei extasiado de lá, faço questão de gritar aos ouvidos dos socialistas, estes de discursos radicais, que se a burguesia é Sauípe Folia, quão encantador é ser burguês. E, creiam, que já acreditei em Cazuza, mas agora passei a sentir a fragância burguesa, sem pesares. Embora saiba que fora do "feudo" tudo ainda cheira a carnificina. Ora bolas, o que tem de mau em desfrutar das benfeitorias do dinheiro e da estrutura imponente do capitalismo?

Digo, sem modéstia, que me senti em Sauípe como Pero Vaz de Caminha, a descobrir uma nova terra, de lindas mulheres de "vergonhas" cheirosas e bem tratadas caminhando "ingênuas" sem qualquer pudor. E citando as palavras de Caminha, em letras estilizadas na recepção de um dos hotéis do complexo: " à vossa alteza a nova do achamento desta vossa terra nova que se ora nesta nau gaçom achou... a qual bem certo crea que por aformosear nem afear haja aqui de pôr mais aquilo que vi e me pareçeo".

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A criatividade baiana registrada pelas lentes do fotógrafo Max Haack

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Um jornalista e o pensamento de Milton Santos

Começo a ter contato com e a pensar, mesmo que tardiamente, nos ensinamentos do geógrafo baiano Milton Santos. E à medida que adentro suas idéias, não consigo mais me enxergar criticamente imbuído do papel de jornalista. É preciso coragem, alertava Milton, para mudanças, sobretudo, se elas dependem de romper com aquilo a que se está umbilicalmente ligado. Colocar idéias diferentes de um pensamento único nas máquinas que engendram a perpetuação de um sistema hegemômico de natureza técnica-informacional. Este é o desafio do jornalista.

É difícil advogar a solidariedade em prol do coletivo sem bater de frente com o rolo compressor da mídia, eminentemente neoliberalista, embora vomite um discurso mastigado de que preza pelas bases sociais. Claro que no noticiário registram-se a pobreza das cidades, a violência e as desigualdades. Mas esse registro, muitas vezes frio, fragmentado, e invariavelmente efêmero, não alcança as contra-racionalidades locais que, sob a forma de uma violência estruturada, se põe como contraponto à racionalidade dominante, aquela mesma dos anunciantes que mantém o jornal. Há um contrassenso em esperar do jornalismo as ferramentas para reversões da ordem mundial. A ampliação do espaço de debate público, tão anunciado com a democratização do meios de informação, é um escárnio ao que se idealiza da democracia. Onde poucos conseguem por opinião não se pode esperar outra coisa que não a tirania do conhecimento.

Contrassenso ainda maior é que, como jornalista, talvez se esteja mais perto das contra-racionalidades locais, as quais Milton Santos atribui o poder de resistir à hegemonia técnico, científica e informacional, com o cultivo de formas próprias de vida. É nas reportagens in loco, ouvindo o povo, conhecendo diferentes modos de ser, explorando seus lugares, que se toma dimensão das especificidades possíveis de mudança. O triste é, que não raro, tais formas de vida imprimem nas páginas seu lado mais hostil, sua face de escória de um sistema perverso. Desafio o leitor a pensar em Calabar, Alto das Pombas, Bairro da Paz, Mussurunga, Engenho Velho da Federação, Planeta dos Macacos (todos bairros pobres de Salvador) sem associá-los a um desolador quadro de criminalidade. Não porque exista ali apenas violência e bandidos, mas porque a mídia no seu dever de informar põe em relevo essa faceta, de forma cínica e demagógica. Como é fácil alertar à sociedade de suas mazelas, retroalimentando-se das mesmas e de seus promotores, dominadores dos centros de decisões que dizem até onde e em que nível deve chegar o desenvolvimento.

Demorei a acreditar que o discurso jornalístico, pujante neste conflito de ser social e ser empresarial, é ascéptico e muito bem articulado. Ou não é loucura uma empresa que vive do capital e para o capital advogar por uma causa socialista? Todo jornalismo nasce de esquerda, já me dissera uma experiente repórter. Engano enfadonho, todo jornalismo é essencialmente de direita, embora se esconda em história mais longínqua em um discurso de esquerda e mais recentemente em um discurso de sustentabilidade democrática. A emersão das contra-racionalidades é um risco para o domínio oligárquico midiático, apesar de se querer maquear os objetivos finais. Pesandores da comunicação dizem que a imprensa liberta ao mesmo tempo que escraviza. Meu entendimento é: a tal escravização, sobretudo da informação, dá-se a partir da mesma liberdade. É como se, a grosso modo, tivessem nos dando corda para nos enforcar.

E, assim, por fim, pergunto-me, como dizer isso se não neste blog? Queria saber dos blogs dos veículos de comunicação o que eles andam dizendo. E queria saber dos blogs do Calabar, Alto das Pombas, Bairros da Paz, o que eles têm a dizer...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Estado de Polícia e Criminalidade

A polícia baiana está mais presente nas ruas, isso é fato. Desde 31 de julho, os soldados percorrem os bairros mais violentos de Salvador para evitar homicídios e combater o tráfico de drogas. Sob a rubrica Operação Nazireu - a polícia adora dar nomes enigmáticos as suas ações especiais - tropas especializadas vindas do interior reduziram nas últimas semanas em 50% o número de assassinatos na capital. A euforia, no entanto, durou pouco. Nos últimos quatro dias, foram registrados oito homicídios por três vezes consecutivas, sempre dentro do período de 24 horas.

Não se pode negar que a presença policial é fundamental para se manter a ordem. Mas o fenômeno acima descrito mostra a ineficácia de se instaurar na cidade um "Estado de Polícia" agigantado, o Leviatã com farda e armas. Anos vão durar para que se rompa uma cultura de medo incorporada dentro das comunidades carentes no mesmo ritmo que se prolongue o início da reconstrução e restauração de um tecido social saudável. As duas coisas estão umbilicalmente ligadas. Quem tem medo de polícia é o mesmo que teme o criminoso. Outro dia, ouvia do capitão Rodrigues de sua perplexidade ao testemunhar uma criança dizer: "polícia aqui, não"!

É uma evidência da guerra civil velada que assola Salvador nas suas reentrâncias. As bases já estão contaminadas. A reversão não se dará sem um processo árduo e violento, o sangue de muita gente inocente deverá correr. Urge o encaminhamento de um Estado solidário, que reestabeleça novas texturas sociais. Do contrário, o sistema perverso de geração de violência se perpetuará ad infinitum, enquanto o Leviatã policial tenta conter seus fantasmas.