domingo, 28 de junho de 2009

A cultura não legitima atrocidades

Há quase uma semana, estava este blogueiro em Cruz das Almas, a 146 quilômetros de Salvador, cobrindo o São João da cidade, conhecida pela famosa guerra de espadas. Sempre ouvi dizer o quão perigosas são as batalhas de espadas, como elas resultam em feridos e mortos.

Felizmente não testemunhei mortes. Mas vi crianças, idosos, mulheres, homens e adolescentes queimados, machucados, mutilados. Um rapaz de 18 anos perdeu o olho direito. Um senhora de 63 anos teve traumatismo na mandíbula. Vi crianças de 13 anos sem luvas correndo atrás das espadas e uma delas teve o punho aberto em ferida por conta da brincadeira de mau gosto. Relatei tudo isso em reportagens pelo jornal A Tarde.

O motivo de voltar ao assunto aqui veio de comentários de alguns leitores sobre a minha matéria "Guerra de espadas deixa mais de 160 feridos em Cruz das Almas". Um leitor se identificando como Pedro considerou a reportagem "infeliz, só destacando o lado negativo". "A espada é uma manifestação do povo", argumentou. Outra leitora, de nome Luciana Fraga, condenou: "Muito infeliz a forma jornalística como foi conduzida esta reportagem, tendenciosa, preconceituosa..."

Engraçado, ergue-se a bandeira da tradição cultural para justificar fatos graves como crianças se ferindo e correndo risco de morte. O prezado Pedro esquece que nem sempre a decisão majoritária, e por assim dizer supostamente democrática, é dona da verdade (e lembremos que não se sabe se este é o caso de Cruz das Almas, já que nunca se realizou um plebiscito na cidade sobre o assunto). Além do mais, é princípio democrático que o desejo da maioria não elimine os direitos da minoria, sobretudo, quando falamos de direito à vida.

O perigo em validar atrocidades em nome da cultura é desprezar que acima dela existem os direitos humanos, que se referem à condição existencial primeira do homem, antes mesmo de sua formação cultural subsequente. O capricho cultural não pode irresponsavelmente aniquilar as premissas de liberdade, integridade moral, psíquica e física.

Infeliz não é minha matéria, infeliz é uma cultura querer se impor em detrimento da vida e do patrimônio público da cidade, onde a maioria da população e também visitantes não estão nas ruas soltando espadas mas sim em casa tentando se esconder delas. Infeliz é o argumento de que "à guerra vai quem quer", enquanto testemunha-se espadas que atingem inocentes, inclusive adentrando as residências.

Infeliz também é chamar de tendenciosa e preconceituosa uma reportagem que relatou fatos e não opiniões. Como não afirmar que a guerra quebrou barreiras jurídicas, administrativas e de bom senso, quando se testemunhou espadeiros "brincarem" em áreas proibidas pela prefeitura, perto de postos de gasolina, uma proibição que nem sequer podia existir, dado que ela lá existe pelo Código Penal. Cadê o bom senso em pais estimular seus filhos a soltar espadas, podendo se ferir gravemente? Cadê o bom senso em soltar espadas debaixo de carros, em postos de gasolina, em casas?

Se isso tudo pode se aceitar, tolerar e justificar em nome da cultura, o quê não se poderá então? Uma cultura sem limites como essa não pode ser nada mais que uma cultura tola, burra e cruel.

Adendo: Em reposta ao comentário da leitora Magali, é preciso esclarecer que este blogueiro não condena a priori a cultura da guerra de espadas, mas sim os argumentos de que por ser uma manifestação cultural estaria a guerra de imediato isenta de limites, mesmo em detrimento de direitos maiores do que a liberdade das expressões culturais. Concordo com a prezada leitora quando pontua a necessidade de se conscientizar a população para o respeito ao direito de ir e vir da população cruzalmense. Reafirmo, pois, a urgência de se estabelecer um plebiscito para que o povo daquela cidade decida sobre assunto tão polêmico e que as autoridades não se furtem da responsabilidade de punir criminosos que, em nome da cultura, põem em risco a integridade física de seus concidadãos.


foto: Eduardo Matins (Agência A Tarde)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson: o último show de um mito


A cada anúncio de um novo videoclip, a ser transmitido com exclusividade no Brasil pelo Fantástico, a expectativa em todos crescia como nunca e talvez jamais existirá novamente. Michael Jackson conseguiu como nenhum outro artista fazer da imagem um espetáculo acima dos recursos tecnológicos aplicados (incríveis, diga-se de passagem). Michael na tela, no videoclipe, era arte.

E daí porque sua natureza artística atemporal, impossível de ser vencida por uma reformatação da música pop, como afirmou o jornalista e crítico musical Hagamenon Brito no Correio da Bahia de hoje ao escrever que Michael não conseguiu se reinventar e ficou obsoleto. Não era mais preciso. Mitos não precisam se reinventar, porque pairam sobretudo como não mais existissem.

Nunca fui um conhecedor profundo de sua obra, nem fã. Mas não consigo esquecer do frisson ao acompanhar cada novo videoclip, e ficar estupefato pela performance. Michael Jackson foi talvez a última estrela a poder ser chamada de homem espetáculo e fazer de sua obra algo maior que sua própria existência como ser humano, que ontem saiu de cena (1958-2009).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Diploma: a ausência necessária

Por já ter me pronunciado antes sobre o assunto no texto "Contra o institucionalismo do diploma", serei muito breve quanto à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira, de exitinguir a obrigatoriedade do diploma específico para exercer a profissão de jornalista.

É desperdício de energia dos meus pares fazer soar todo esse alarido de indignação frente à decisão. Primeiro porque o STF não impossibilitou que o diploma de jornalismo seja usado como critério de seleção. Ao contrário, reforçou este seu valor intrínseco, de garantia de conhecimento e não de mera promoção. Ou seja, o diploma fará a diferença se aquele que o possui refletir no exercício da profissão todo o saber certificado por aquele canudo debaixo do braço. Do contrário, denunciará com linhas mais fortes não ser merecedor do título que ostenta mediante um pedaço de papel.

Segundo, em sequência, estaremos tirando do mercado seu suposto viés estritamente mercadológico. Explico-me: se há uma gama maior de pessoas potencialmente jornalistas, nas empresas credíveis estarão trabalhando profissionais de excelência ainda maior dos que com hoje contamos, dado um processo mais competitivo de seleção. O mercado deverá ser mais exigente, porque a sociedade cobrará isso dele, já que será ainda mais a opinião pública, agora derrubado o diploma, a reguladora e fiscalizadora da qualidade dos registros jornalísticos.

E, por fim, o maior rigor do mercado deverá encontrar o melhor do jornalismo entre os diplomados, do contrário, tudo dentro das faculdades deverá ser revisto. E olhe só, está aí outra porta de retornos profícuos sendo aberta pelo diploma, ou melhor, por sua não obrigatoriedade.