quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Marco Civil da Internet tem 800 contribuições de internautas

Estava lendo há pouco alguns do muitos e variados comentários que diversos cidadãos brasileiros, espalhados pelo Brasil, e pelo mundo, fizeram pela rede mundial de computadores acerca do Marco Civil da Internet, um processo de discussão pública virtual da regulamentação de nossos direitos e deveres na world wide web, que deverá ter como resultado um anteprojeto de lei a ser apresentado ao Congresso Nacional.

As primeiras discussões, promovidas pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça através do blog Cultura Digital, foram realizadas entre outubro e dezembro do ano passado, e o primeiro relatório das propostas e debates foi disponibilizado este mês pela Secretaria, dividido em três eixos de discussão, em 576 páginas, abordando temas como Direitos Individuais e Coletivos na rede mundial de computadores.

A próxima etapa será, a partir destas sugestões, propostas e debates, realizar a primeira versão do anteprojeto que posteriormente será colocado em discussão pública, pelo blog, para a redação final do documento.

Não consegui ler ainda todo o relatório, uma compilação de nada menos do que 800 contribuições por escrito. Sobre Direitos Individuais e Coletivos, via a preocupação de nossos compatriotas internautas com o peso e medida de interferência do Estado sobre a liberdade e privacidade dos cidadãos na rede.

É interessante ver que talvez pela primeira vez neste País, como bem gosta de falar nosso carismático presidente (pelo menos que minha memória de 28 anos permita lembrar), um processo de normatização de matéria tão cara à democracia e à cidadania esteja, efetivamente, gozando de uma participação do povo.

É como se, grosso modo, e ainda de forma bem tímida, estívessemos passando da democracia representativa, de retornos pífios e ilusórios, para a democracia participativa, com reforço do sentimento de pertencimento e do senso de responsabilidade cívica.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Carnaval público do privado



O primeiro dos quatro seminários sobre o Carnaval, promovidos pelo Grupo A TARDE, terminou há pouco em um cenário onde dois discursos deram a tônica: a ingênua ou irônica retórica da defesa do interesse público ante a pregação esperta e pragmática do movimento capitalista como motor único do mundo, nesse caso, do Carnaval.

Com os camarotes como centro das discussões, a antinomia se deu, por um lado, através dos jornalistas do Grupo preocupados em evidenciar uma situação de apropriação e exploração privada de uma manifestação pretensamente popular e pública, e de outro, por meio de empreendores, donos de camarotes, devidamente munidos dos argumentos que os colocam em situação de vantagem.

Na verdade, ideologias à parte, o fato é que o Carnaval de Salvador só chegou à tamanha dimensão graças às estratégias capitalistas inerentes à indústria cultural, que souberam se valer das diversas vozes artísticas baianas, importantes no cenário do showbussines brasileiro e até internacional, desde o trio elétrico até sua consagração com o que se passou a chamar de Axé Music.

As críticas já intensamente rebatidas sobre a natureza excludente da festa de Momo não podem recair sobre os atuais modelos de negócios carnavalescos, a não ser que ancorados em um contrapensamento sólido ao sistema exclusivo de acumulação de capital, essencialmente excludente - o que não é o caso do jornalismo empresarial e neoliberal. Por isso, foi extremamente confortável ao empresário Clínio Bastos, proprietário  do camarote Planeta Othon, desfazer com um simples argumento a pecha de elitista do Carnaval apregoada pelos jornalistas.

Não fosse a iniciativa privada (leia-se blocos e camarotes), expoentes da indústrica cultural baiana - essa mesma reforçada pela grande mídia - como Chiclete com Banana, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, entre outros, não fariam a festa para milhões de foliões, na sua grande maioria constituinte da massa sem acesso às benesses materiais de nosso sistema econônico. Daí a frase cortante de Joaquim Nery, da Central do Carnaval: "O Carnaval não pode ser visto como o responsável pelas nossas mazelas sociais".

Tem razão. É perverso constatar que a maioria esmagadora da população não tem poder aquisitivo para brincar em um bloco ou assistir a festa de camarote, e seja obrigada a se empurrar nas ruas. A culpa disso não é dos camarotes, até porque os circuitos não estão tomados por eles, como querem fazer crer os apocalípticos de plantão - e a maioria está instalada em espaços privados. Seria mais coerente acabar com os blocos. Responde Clínio Bastos: "Eu gosto da ideia de trios independentes, mas eles não são viáveis, a não ser que o Estado subsidie as atrações". Até onde sei, os cofres públicos não têm condições de bancar sozinhos uma festa dessa magnitude.

A solução, não sei ao certo, poderia passar pela cobrança de impostos à população direcionados especificamente para a realização do Carnaval, sem camarotes comercializáveis e sem blocos e cordas. Sei que soa um tanto temerário e irônico. Num sentido, porque nesse país, estado e cidade, os tributos já não fazem grande coisa em matéria de saúde, educação e infraestrutura. Noutro sentido, em consequência do primeiro, serviço público de qualidade tem tido sempre um pé da iniciativa privada, daí os pedágios, as rodovias, as clínicas, os planos de saúde, os blocos, os camarotes... Esse grande carnaval.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A "ditadura" da grande imprensa

Vi com desconfiança as sequentes reações de instituições da grande imprensa brasileira condenando o III Programa Nacional de Direitos Humanos, acusando-o de ameaça à liberdade de imprensa e de informação, de brecha oficial para um Estado ditatorial. Desconfiei porque toda vez que se fala em qualquer dispositivo legal de controle da informação, o conglomerado nacional de informação jornalística ladra em alto e bom som, valendo-se da pretensa defesa à democracia e à liberdade de expressão.

Depois de ler o Programa, especialmente o trecho, Diretriz 22, referente ao direito à comunicação democrática e ao acesso à informação, tive certeza de que os alaridos da grande mídia tupiniquim foram exagerados, ideológicos e corporativos.  Não vou esmiuçar argumentos para apontar as intempéries desnecessárias e equivocadas da imprensa sobre a natureza do Programa, porque o jornalista Venício Lima já o fez com competência no Observatório da Imprensa, no sugestivo texto "A mídia contra a Constituição". Vale pontuar que a Diretriz é essencialmente fundamentada em preceitos legais e constitucionais, portanto léguas distantes de qualquer atentado ao Estado de Direito constituído pela Carta Magna cidadã.

O problema é que a grande imprensa brasileira, avessa a críticas, não quer saber da palavra "controle" - como se ela fosse um sinônimo perfeito de ditadura - mas só quando ela está potencialmente submetido a ele. A mídia, que se autodeclara guardiã exclusiva da democracia, não se permite ser fiscalizada, controlada, punida, como se esquecesse que o Estado de Direitos também é o de Deveres. Não se dá conta que ela mesma estimula, deste modo, ditames autoritáros, pois no regime que a imprensa pode tudo, estamos diante de uma ditadura informativa, a pior de todas as ameaças contra a democracia.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Crônica da Previdência

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) é a encarnação de um Estado sádico. O segurado chega em uma de suas agências para um infame teste de paciência e tolerância, espécie de tortura chinesa baseada num perverso processo burocrático, que dilacera a autoestima e esperança de um povo já sofrido e esquecido. Enquanto isso, seus representantes, funcionários embrutecidos pela incapacidade de serem mais do que operadores, às vezes preguiçosos e incompetentes, de um sistema falido, já são indiferentes ao grave desrespeito à cidadania, e chegam a gracejar dela.

As respostas, as explicações são sádicas, mas sobretudo as circunstâncias cotidianas e o ambiente onde elas se configuram... Às 6h30, já se formam filas do lado de fora da agência. Seguranças, ao mesmo tempo rudes e gentis, começam, às 7h, a organizar as pessoas por hora marcada: fila para quem tem perícia às 8h, às 9h, 10h, e assim em diante, não necessariamente nessa mesma ordem. Uma vez dentro da agência, é enfrentar nova fila, com carteira de identidade em mãos, para adquirir uma senha e depois esperar, valendo-se de orações fortes, o tempo do Instituto ser condescendente, sua senha ser elegida entre centenas aleatoriamente selecionadas,  e finalmente ser encaminhado à antessala de espera para realização da avaliação do médico-perito.

Pois é, meu caro, a decadência do INSS é uma velha conhecida, mas experimente sofrer pessoalmente nas mãos desse grande sucessor do Marquês de Sade. O começo de 2010 reservou-me a vez de sentir na pele o sofrimento de milhões de compatriotas, com os quais jamais tivera compartilhado verazmente de tamanha humilhação, ainda que, como repórter, já a tivesse registrado, infelizmente com versos jornalísticos frios.

No momento que escrevo esse texto sem graça, o pior para mim passou, embora saiba que milhares de cidadãos vilipendiados ainda "vegetam"  à espera da bendita ou maldita perícia. Depois de três tentativas frustradas, ou por falta de médicos ou por "quedas" do sistema, finalmente fui avaliado por um perito no último dia 14, passados 38 dias, desde quando a empresa me afastou do trabalho por conta de uma lesão no dedinho da mão direita. Fui agraciado por boas orientações de terceiros e tive a sorte de poder me dirigir à superintendência baiana do Instituto, no Comércio, e pedir à chefe-geral do setor de perícia do Estado a realização imediata de minha avaliação médica. Só assim consegui adiantar a perícia, já marcada para o próximo dia 19 de fevereiro, quando eu iria completar mais de dois meses sem receber um tostão furado.

Lembro daquele dia 14 com tristeza, embora essa minha breve saga previdenciária tenha encerrado ali seu primeiro capítulo - não sei quantos outros virão. Minha senha, número 194, demorou mais de duas horas para aparecer no display. Na espera, observava os cartazes propagandísticos do governo pendurados pela agência: "Previdência Social. Um novo tempo para o Brasil e para você". Entendo. Com o "novo" se quer dizer mais um período de sofrimento e humilhação.

Pela antessala, dezenas de agoniados com os olhos vidrados no display, com pencas de exames nas mãos. Ao meu lado, uma mocinha serena, de semblante emudecido, revirando páginas de um livro intitulado "Felicidade ou Sofrimento: qual a sua escolha"? Ao fundo, os berros de uma senhora cega: "Gente, o perito nem tirou os meus óculos, não quis meus exames...! A gente temos nossos direitos. Se eu não for atendida hoje, vou chamar a polícia!". Era a crônica da sádica previdência, nua e crua.