segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O Palhaço que faz rir e chorar

Sinceramente não me lembro de criança ter me deliciado, aos risos, e olhos brilhantes, como espectador de uma trupe circense, qual fosse sua simplicidade ou sofisticação.  Duvido até se tenha adentrado, ainda na infância, uma lona de um circo. Já adulto, estive em pelo menos três como repórter, noticiando, infelizmente, fatos bem distantes de um mundo vendedor de ilusões - de maus-tratos a animais a acidentes graves em picadeiros.

Em 2009, fui prestigiar uma apresentação do Cirque Du Soleil. O maior e mais famoso circo do mundo esteve em Salvador com o espetáculo Quidam. Foi fantástica, mas talvez a execessiva expectativa de destreza e habilidade performática dos atores circenses tenha tirado a aura lúdica e encantadora que o circo pressupõe.

O Palhaço, filme de Selton Mello,  preencheu meu suposto vazio de infância e resgatou o encantamento da arte circense, aflorando uma beleza artística de emocionar os mais austeros por meio da narrativa simples de um circo humilde e pobre em harmonia com uma estética primorosa, pela linguagem cinematográfica, de formas e gestos da vida por detrás do picadeiro.

Benjamim, personagem interpretado pelo ator, coloca em cena o drama existencial de um homem em dúvida sobre sua vocação. E por esse fio-condutor narrativo, as lindas imagens fluem aos olhos dos espectadores sobre um pano de fundo das dificuldades e prazeres da vida cotidiana, lúdica e real.

Imperdível e inesquecível....

terça-feira, 26 de julho de 2011

Tributo a Amy


Ouvi mais Amy Winehouse esses últimos três dias, após sua morte trágica, do que costumava escutar tempos antes. Na enxurrada de posts - áudios e vídeos - disponíveis na Internet, entristece-me a quantidade de registros de shows mostrando Amy como a sombra pálida dela mesma, um zumbi caricatural sem alma, roubada pelos excessos de toda sorte de entorpecentes, a ponto de nem seu talento assombroso poder recuperá-la.

O gênio Amy parecia ressuscitar alimentando-se das profundas feridas de seu espírito perturbado por uma tristeza depressiva. E todos, absolutamente todos - fãs, produtores, músicos, imprensa, familiares, amigos e médicos - sabiam disso. Era, como disse o crítico musical Nelson Motta, a crônica da morte anunciada da maior cantora do século XXI, até agora. 

Nada nem ninguém foi capaz de reabilitá-la. Amy disse não ao mundo e aceitamos de camarote sua derrocada, como se a genialidade fosse o passaporte para a autossuficiência. Mas não foi só uma interpretação equivocada, chegou mesmo ao sadismo. No Brasil, informaram os jornais, muitos foram aos show de Winehouse para vê-la "chapada", enquanto no Reino Unido, a imprensa sensacionalista se lambuzava com as atrapalhadas de uma famosa em decadência. 

No seio familiar, os pais foram incapazes de orientá-la. Não quero responsabilizá-los, mas um documentário exibido no Multishow mostrava o pai Mitchell Winehouse recebendo conselhos da psicóloga para não se culpar pelas barbaridades da filha. Já a mãe, Janis Winehouse, disse aos jornais, após a morte da cantora, que já se confomara há muito com o fim trágico, pois Amy "estava se matando". Pais não devem desistir dos filhos, ao menos no plano ético e moral, lembrando que olhar de fora sempre é muito mais fácil. 

Mas a ingenuidade sádica alcançou seu ápice pelas atitudes pouco compreensíveis, no prisma afetivo, da produção artística de Amy. Quando a artista negou-se a se internar numa clínica de reabilitação, seu produtor Salamm Remi estimulou a composição da canção Rehab, uma preciosidade para os ouvidos do mundo e um abismo ainda mais fundo para ela. E onde estava Remi quando permitia a esquálida,  frágil e alucinada Amy a subir no palco e expor aos holofotes canibais sua precariedade etílica e narcótica? As imagens da cantora branca de alma negra em um palco de Belgrado, na Sérvia, são de cortar o coração. Elas tornam factível algo quase impossível: tirar dos grandes artistas toda sua artisticidade, todo seu sopro de vida inimitável. 

Definitivamente, não se tratam gênios desse jeito. 

sábado, 9 de abril de 2011

A família e os fatalismos inexplicáveis da sociedade

Um mar de hipóteses e suposições brotam pela sociedade, na imprensa e à boca pequena, sobre o que teria levado e o que teria permitido o jovem Wellington Menezes de Oliveira, 24, ter realizado o massacre da última quinta-feira, 7, na escola municipal Tasso da Silveira, bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, matando 11 crianças e a si mesmo logo em seguida.  Entre as causas, as possibilidades e as explicações há abismos. E o problema que nos tira o chão é justamente saber o que fazer com eles.

Fala-se de um perfil psicológico típico de uma pessoa capaz de realizar tamanha atrocidade. Wellignton era solitário, tinha um discurso fundamentalista - tanto político, filosófico e religioso -, era rejeitado pelas meninas, teria sofrido bullying, e fazia da introspecção uma revolta crescente impossível de conter em determinado momento. Aborda-se a falta de segurança nas escolas como um ponto crucial, já que uma simples revista na portaria teria evitado a entrada do garoto em posse de dois revólveres. E, por final, ressuscitou-se o debate sobre o porte de armas de civis, pela facilidade com que Wellington adquiriu o armamento - alguns, como o jornalista Luciano Martins Costa, parecem querer creditar à sociedade um mea-culpa da tragédia, porque os brasileiros foram contra, em referendo de 2005,  ao desarmamento.

O que teríamos de soluções possíveis?  1 - Um acompanhamento psicopedagógico especializado e intensivo em todas as escolas do País, públicas e particulares, capaz de identificar e tratar perfis potencialmente "surto-criminosos". 2 - Estabelecimentos de ensino com seguranças armados, dotados de mecanismos de revista, manual e eletrônico. 3 - A ilegalidade irrestrita do porte de arma por civis em conjunto a um controle e fiscalização massantes dos registros e da circulação de armas no território nacional. 

Tudo bem. Mas algum dia a análise psicopedagógica pode falhar. O equipamento eletrônico pode quebrar e o segurança, como ser humano que é, esquecer de revistar alguém ou mesmo ser induzido a não fazê-lo. E, como as drogas, as armas podem continuar sendo obtidas na ilegalidade, por mais eficaz que seja o sistema de controle.

Trata-se então de uma fatalidade? Algo contra o qual a sociedade está de mãos atadas? O governador Wagner, falando anteontem à imprensa sobre a tragédia, colocou o problema no colo da família. "A gente tem que repensar os valores da família para refletir o porquê da banalização da violência", afirmou (em reprodução livre deste blogueiro, de memória, sem checar as anotações).

A família é a base organizacional da nossa sociedade. Por isso, concordo com o governador. Parece estar na família as pistas e chaves de entendimento das relações saudáveis e doentias que se formam no tecido social, capazes de formar Wellingtons, Pedros, Josés, Marias, Sennas, Ronaldos, Georges, Dilmas etc... Porque a família aparece como a unidade social que assimila, reproduz e reinterpreta todo o espírito de uma sociedade e os efeitos de suas ferramentas de coesão social (Estado, mídia, trabalho, para ficar nos principais da contemporaneidade).

Se os tempos modernos do individualismo, da forte competitividade, da meritocracia da plutocracia ou vice-versa, tem provocado tiros em Columbine, no Rio de Janeiro, em São Paulo (baiano que fez massacre no cinema), em Salvador (jovem que matou dois colegas de sala, no colégio Sigma em 2002) é sinal de que algo essencial de sua constituição aponta para bem mais do que uma explicação de particularidade psicológica somada a uma inércia do sistema de repressão e monitoramento dos comportamentos.

De uma certa forma, a sociedade abandonou a família à sua própria sorte, enquanto deposita nela todas as cargas e sobrecargas de seu desenvolvimento. Parece-me que os abismos vêm da sociedade para a família, até que esta nos conceda, nos rompantes, as grandes fatalidades. E a partir daí, ficamos sujeitos às explicações da psiquiatria.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Do plágio à dependência intelectual

A matéria da edição de A TARDE de hoje, sobre a venda indiscriminada de monografias, dissertações e teses pela Internet, revela a indisposição crescente para o culto do pensamento e a patente inaptidão intelectual da nossa sociedade. Vivemos à esteira da ideologia do menor esforço e da estratégia para resultados mais fáceis e rápidos.

Sob a cultura da inteligência coletiva - esse termo conceitual caro à sociedade da informação digital desenvolvido pelo sociólogo Pierre Lévy - o abuso das citações bibliográficas culminou na apropriação indébita, sem pesares, de raciocínios, de ideias, na cópia desavergonhada e vergonhosa de trechos, páragrafos, capítulos, livros inteiros.

Mas tal prática não deveria causar tamanha surpresa e espanto. A indústria das universidades e dos centros de pesquisa, capitaneada pelo fetichismo do diploma (termo que ouvi pela primeira vez do querido professor doutor Monclar Valverde), já legitimou, com aplausos e honrarias, a quantidade de fontes e citações como critério para medir a qualidade de monografias, dissertações e teses, como também pôs em marcha, aparentemente irreversível, a política da divulgação e publicação científicas - levando a cientistas Brasil afora a dizerem algo mesmo quando não têm nada de relevante a dizer, tudo no afã de conquistar as verbas das agências fomentadoras de pesquisas.

Ainda lembro de um dos professores da recente banca para ingresso no Mestrado de Ciências Sociais, na qual fui reprovado. Ele considerou meu projeto "impressionista", ou seja, pautado por impressões pessoais desprovidas de embasamento teórico. Talvez tenha razão. A qualidade teórica do meu projeto não vem ao caso agora - sei que estudei pelo menos oito autores do tema tratado, mas nunca tive a intenção de usá-los como muletas.

No entanto, após algumas reflexões, minha opinião, sim, isso mesmo, minha opinião, é de que os pensadores deste País tenham perdido a coragem de dizer realmente o que pensam, de criar um pensamento autônomo. Preferem, na maioria da vezes, esconder-se nas elocubrações alheias, eivadas de um tecnicismo conceitual burocrático e alienante, sem paralelo com a realidade, sem qualquer traço de um diletantismo à arte do pensamento.

Daqui a alguns anos, o quadro será ainda mais trágico. Não se tratará apenas da falta de coragem, ou vontade de independência intelectual, mas de conhecimento. Eu penso todos os dias no impressionismo do meu projeto e não tenho medo de enfrentá-lo.