domingo, 29 de janeiro de 2012

Magary contra o discurso elitista

 José Pereira, leitor da revista Muito, do Grupo A TARDE, realizou o seguinte comentário na última edição da mídia impressa semanal: “Magary Lord é lixo musical”.  Argumentou que os recentes fenômenos da música baiana alçados, instantaneamente, à condição de ícones da cultura são resultantes de uma população sem educação em conjunto a uma imprensa não criteriosa, atinente apenas aos pontos do Ibope, comportamento que acaba por reforçar fórmulas culturais pobres e emburrecedoras.
           
Tal discurso não é novo. Muda apenas de objeto, de alvo.  Antes e sempre o pagode e a Axé Music. Agora, eles mais o Semba. As reflexões que deste discurso desdobram também nada têm de inédito. A questão central, por elas permeadas, é até que ponto as duras e severas críticas à qualidade das composições musicais baianas são razoavelmente legítimas, ou tornam-se puro reflexo de percepções elitistas, preconceituosas, discriminatórias e, portanto, raivosas e totalitárias.

De antemão, anuncio que a crítica de José Pereira é mal-educada. Por excessivamente agressiva, perdeu o direito original de ganhar forma como mais uma opinião, ao declarar um sentimento sectário, e não apenas seu desgosto ao baixo grau de sofisticação de letras dos pagodes Bahia afora. Da pobreza literária destas canções, não há margem para dúvida, tampouco espaço para, valendo-se de louvores às manifestações populares, defender com unhas e dentes certos tipos de rimas e “poesias”.

Neste segundo momento, anuncio que José Pereira confundiu alhos com bugalhos. Há uma diferença enorme de qualidade musical entre a maioria dos pagodes baianos e a música de Magary Lord, um mix do Semba, ritmo de Angola - espécie de samba de salão africano - com fortes pitadas de kuduro, outro ritmo da África. O resultado dessa fusão de gêneros angolanos é uma expressão corporal explosiva, de não deixar parados os mais resistentes ao molejo do corpo. E, diferente da maioria dos pagodes atuais (com raras e gratificantes exceções, a exemplo da Harmonia do Samba, e do Psirico em algumas canções), não se repetem ali, ad infinutum e ad nauseaum, sons monocórdios irritantes a ouvidos mais sensíveis, mesmo àqueles de sensibilidade mediana, em letras de constranger e ruborizar os menos preocupados com a beleza literária e o rigor formal, embora popular, da língua materna.

Ainda ontem à noite, na Concha Acústica do Festival de Verão 2012, realizado em Salvador de 25 a 28 de janeiro, no Parque de Exposições,  Margary Lord agitava uma multidão, de crianças a adultos, de pobres a ricos, de negros a brancos, que, no bom baianês, quebrou a até o último fio do cabelo, ou até a unha do pé.  Foi uma comunhão de expressões corporais diversas, uma troca carnal de cultura, que, longe de atingir a supremacia literária de Caetanos, Gils, Chicos e outros, tampouco empobreceu as cognições e percepções vocabulares do bom Português poético. Lembrando um tal de Carlinhos, a música de Magary fez as sonoridades instrumental e silábica se harmonizarem, sem maiores dificuldades. Yeba! Seja lá que isso signifique...