sábado, 16 de agosto de 2008

Dolce lista, puta fila

Que dizer de listas? Telefônicas, utéis e ao mesmo tempo chatas; de presença, necessárias e sem graça; de aniversário, é bom comer e beber de graça, dar presentes, não, é besteira. Que dizer de filas? Do INSS, estressantes e inacredtiáveis; de bancos, testes de paciência e tolerância. Tem um sem número de listas e filas. A da boate Dolce, no Boulevard 161, é algo novo, espécie de fila-lista, ou seria lista-fila?

Sei lá... Seja qual for o modo de chamá-las, elas significam a mesma coisa: ordenamento de "otários", galgando por contatos vários, na agenda do celular, um disputado espaço da fina-flor murcha de Salvador. O cara ou a mina liga para um "canal" seguro e deita a lista: "vão eu, fulano, cicrano, beltrano, se puder descolar um vip, melhor". É bom desfrutar do metier, claro, quem pensa o contrário, vá lá pagar R$ 40 só pra sorrir, ora bolas. Com nome listado, o preço cai pela metade e você, porra, está na lista... Não entendeu ainda?

Assim... Chega-se às 2h da matina e aguarda-se na fila destinada aos listados. Quem não está na lista, entra, quem está não. O jeito é esperar. E vê as excentricidades: a fila-lista vai perdendo o sentido. Um "viadinho" sorridente passa a mão na cabeça do segurança troglodita: "como você tá querido?". Olha para outra lista-fila - aquela dos "vips", quer dizer, das putinhas - esboça um sorriso, aponta para uma vadia qualquer, de shortinho e pernas torneadas, e coloca a lady para dentro. Mulher dentro da Dolce, é dama, fora é prostituta. Gostou do álibi?

Incrédulos, homens vips e listados, inquirem seguranças. Resposta: a casa lotou, agora só com a rotatividade. De putas ou de viados? Que putaria é essa? Como assim, eu, listado, vip, do metier, vou ficar fora deste brega dançante? Não se ouviu isso. O silêncio veio da educação burguesa, seria estranho naquele puteiro chique soar a baixaria de classes sociais desqualificadas.

Mas é isso. Muitos nomes da lista e vips ficaram out do melhor da noite da sexta-feira soteropolitana. Isso tudo porque foram incluídos no rol seleto da lista dolciana. Que honra, fazer parte da elite excluída, já é alguma coisa. E, sem esquecer, é mentira essa história de putas e viados dentro da boate. É tudo intriga de quem ficou fora, sem gozar, com nome dentro. Nas próximas semanas, estarão fulano, cicrano, beltrano, todos putas e viados, aguardando a chamada. Quem será o próximo da lista? Espere na fila.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sessão intimista

Bem caros e poucos leitores, quem não arrisca uma vez ou outra uma poesia? Bem , eu arrisco... Então lá vai uma...

A palavra nos jornais
Por George Brito

Não estou afim de um registro frio e meticuloso
Estou ansioso pelo fervor de letras vivas
De emoções fortes e vívidas tintas
Mas por que não me livro desse matiz negro e insosso?

Pequeno e insípido
Soneto mal acabado
Emenda torta, timbre desafinado
Eco surdo de um peito vazio

Espero ainda um bater vibrante
Inebriante a ponto de sufocar
Mas que inércia intelectualidade
Que apura a realidade como mesquinho retalho
Sem raiz, sem terra, sem feitio?

Pareço uma piada sem graça
Em busca do sentido
Para o riso, o sorriso, a gargalhada
Incessante procura
Desapaixonada, quão desfigurada

Ainda tateio o nada às escuras meio sem rumo
Minha força, minha luz
Vagueia meio apagada, inexpressiva
Sem vida uma palavra em mim
Que me traduza, que me seja, que me extravase

E sou jornalista?
Pode ser,
Mas vivo além de páginas outras
Minhas e de mais ninguém

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Um dia em Novos Alagados


Novos Alagados vive quase um novo momento. Quase porque as palafitas há pelo menos 20 anos não configuram mais sobre as águas um cenário que, embora imprimisse nas fotos uma paisagem romântica, simbolizou para o mundo miséria e condições subumanas. Poucas palafitas resistem agora ao tempo sobre terra firme e são inconfundíveis, não tergiversam: Novos Alagados quase venceu a pobreza.

"A fé não pode perder", disse o jovem Ivan (foto abaixo), 24 anos. Guerreira a crença do povo de Novos Alagados, uma comunidade que surgiu com o nome de Beira Mangue nos anos 70, depois que muita gente do interior veio para a capital a procura de emprego, atraída pela instalação do Pólo Petroquímico de Camaçari. Mas só não se sabe fé em quê, questionou lá em meados dos anos 80 o compositor Herbert Vianna na canção "Alagados". A arte de viver da fé fez a comunidade conquistar um pedaço de chão e deixar para as cicatrizes o passado trágico de se equilibrar em pontes e casebres de madeira podre, a alguns palmos acima da água fétida.

Bárbara (foto acima) nasceu e cresceu equilibrista. Continua no seu velho barraco, o mesmo que antes se sobressaltava por estacas da superfície escura da enseada suburbana. Hoje pisa firme, sem medo de encontrar base segura. Faz a cabeça dos vizinhos, por R$ 10, com tranças descoladas. "Meu sonho é montar um salão de beleza", conta entusiasmada. O salão de Bárbara ia ser legal, com rede de esgoto, instalação elétrica adequada, alvenaria, tudo que está em falta na sua casa e em de outros moradores. Uma amiga dela comentou: "bonito que, ainda sim, ela sonha".

Sonhos submersos, de Novos Alagados, que poucos estão se importando. "O que tem lá?", perguntou-se com resposta pré-idealizada. Bem, tem uma vista maravilhosa, têm crianças, e tem a alegria de Isodélia também. É, respondendo, ali não tem quase nada, e, ao mesmo tempo, tem tudo. A história deve sempre emergir para Novos Alagados. Para Isodélia, Rosenilda, Jerrie, Bitonho, Vera Lazarotto, Maria José da Conceição, Odete, Dona Maria, Benilton, Rogério, Ivan, Bárbara... Tem vida em Novos Alagados, para além das fotos.



Fotos: George Brito e Rafaela Rodomack