sábado, 25 de outubro de 2008

Lévy defende a revolução pela tecnologia

Na última quarta-feira, 22, asssisti a uma intrigante palestra do professor Pierre Lévy, no Teatro Castro Alves, como parte da programação do evento Fronteiras Braskem do Pensamento que vem trazendo a Salvador pensadores do mundo inteiro. O intelectual tunisiano é conhecido por introduzir dentro do intercampo da comunicação e tecnologia conceitos como inteligência coletiva e ciberespaço.

Bem, a proposição de Lévy é, em resumo, a criação de uma notação linguística universal capaz de ter sentido por ela mesma, tal como o faz a imagem. Isso porque, defende o pensador, o mundo caminha, a partir do invento da Internet, para um governo universal, guiado por uma inteligência coletiva capaz de trazer as soluções necessárias ao homem.

Uma idéia bem intrigante, mas tecnófila, para me apropriar do termo usado pelo professor Muniz Sodré ao avaliar o pensamento de Pierre Lévy. Primeiro, porque tal proposição desconsidera as especificidades inerentes ao processo de forjamento da lingua em um ou outro ambiente. A linguagem não é meramento código. Segundo, porque esquece que, como já bem pontuava Milton Santos, a história da humanidade deve ser sempre entendida a partir do estado da técnica e do estado da política, e essa última parece ter sido esquecida pelo ilustre intelectual tunisiano.

Outrossim, criticava Sodré ao fazer uma análise da palestra leviniana, a Internet, apesar de toda a potencialidade de multiplicar as formas de expressão e de opinião, tem criando detro dela seus feudos ideológicos, que a exemplo do que vemos no mundo real (em oposição ao virtual), escondem estratégias de perpetuação e domínio de poucos atores, detentores da mais valia econômica e política.

Em suma, a revolução proclamada por Lévy no campo tecnológico não garante por ela mesma a evolução socioeconômica galgada na democratização dos espaços, virtuais e reais, quiçá o acesso àqueles mais prestigiados.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ensaio sobre a condição humana, não sobre cegos

O hábito nos faz cegos, já disse o filósofo alemão Georg Hegel. Que dizer então de uma repentina epidemia que faz fechar os olhos de toda uma sociedade, a começar por algumas centenas que são levadas ao confinamento de uma quarentena para não espalhar a peste aos demais cidadãos? Trata-se mesmo do enredo do livro do genial escritor português José Saramago, "Ensaio Sobre a Cegueira", transformado em filme pelo diretor Fernando Meirelles, produto, que pelo mau hábito "cego" de quem sempre se sente marginalizado por suposto preconceito, foi criticado pela Federação Nacional dos Cegos de Maryland (NFB). Foi dito que o filme traz os cegos como debéis mentais, incapazes de fazer qualquer coisa.

A Federação não enxergou que a história, inusitada e de uma sensibilidade inauditas para esse blogueiro, transcende à mera questão de se pessoas com deficiência visual são mais ou menos incapazes que as outras. O enredo é um convite provocativo para reflexão sobre que valores a humanidade se ergue. Sobre a condição e natureza humanas frente a situações limites. Quando traz a protagonista como a única a enxergar, Saramago reforça, ao meu ver, o traço metafórico contido nas entrelinhas do enredo, a saber, como que traduzindo, de que é sofrido, duro e cruel enxergar a realidade tal como ela é, mas é também preciso saber dela com clareza para fazer valer a esperança de um futuro mais promissor. Enxergar naquele contexto era ao mesmo tempo dádiva e martírio!

Por isso é de um reducionismo tacanho trazer tal obra-prima a questões especificamente ligadas a uma deficiência, no caso, a visual. Até porque se do filme e do livro se fosse retirar qualquer questionamento pertinente seria: estamos todos cegos, mesmo enxergando, ao caminho que estamos levando a humanidade? Lembro-me (algo parecido, não consigo reproduzir fielmente as palavras usadas) da última frase intimista e reflexiva do narrador em relação à protagonista (a médica que conseguia enxergar), instantes depois de o primeiro personagem a ficar cego recobrar a visão: "Ela pode está se pergutando: agora eu voltei a ficar cega?". E eu fico pensando: precisamos apagar todas as luzes para depois procurar um bendita vela?