quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Carros, carros, e as pessoas?


Salvador possui hoje mais de 600 mil carros circulando por suas vias urbanas. Estima-se que a cada dia ingressem nas ruas soteropolitanas mais 5 mil automóveis particulares. Como costumam ironizar os arquitetos e urbanistas, existe fábrica de carros, mas não indústria de avenidas e vias expressas. Quer dizer que estamos caminhando para o colapso, tal qual vive hoje a megalópole São Paulo, com seus engarrafamentos de até 200 quilômetros. E não adianta construir mais vias, porque quantos mais ruas mais carros teremos as ocupando, vide a cidade de Los Angeles, planejada para o automóvel individual, com centenas de viadutos e "express ways", hoje imersa em um trânsito caótico.

Está aí o problema gritante de mobilidade urbana, o qual só será resolvido, convergem especialistas, com investimentos substanciais em transporte urbano de massa - coisa muito diferente do nosso "ferrorama" de 13,5 km, o menor metrô do mundo. Mas o desafio mesmo é mudar as cabeças das pessoas, de uma classe média elitista acostumada a desfilar seus carrões pelas ruas e de uma categoria emergente que vê agora, diante de uma política nacional de incentivo ao consumo de carro (redução do IPI foi uma mão na roda literalmente), a possibilidade de galgar o status e o conforto da invenção do alemão Karl Benz popularizado pelo americano Henry Ford, com sua produção em série.

Cá com meus botões, fico imaginando como as pessoas vão deixar de usar seus carros, no seu ambiente particular e privado, ao conforto de um ar-condicionado e som a gosto, para caminhar pelos passeios estreitos da cidade, sob sol a pino, e tomar um buzão, com capacidade para 180 passageiros. É que a prefeitura está apostando no chamado Bus Rapid Transit (BRT), ou "metrô sobre rodas" deslocando-se através de corredores excluvisos pelas principais avenidas de ligação da cidade (Paralela, Vasco da Gama e ACM) para tormar mais eficiente o sistema público de transporte coletivo. Na verdade, fala-se também de caríssimos pedágios urbanos para desestimular o uso do carro - tal como acontece hoje no centro comercial de Londres - como medida de uma política de restrição de uso do automóvel particular.

Eu tenho lá minhas dúvidas. Contagiados e alienados por uma tecnologia política do corpo - para abusar de um termo foucaultiano - socialmente capitalista, direcionada a um consumo de culto ao individualismo exacerbado, a elite provinciana e o proletariado burguês soteropolitanos não vão arredar fácil de deixar seus carros nas garagens, em nome de uma mobilidade urbana saudável. A cabeça destes terceiros mundistas, temo, irá alçar ao posto de alto status aquele cidadão que, ainda sob um custo altíssimo, puder desfilar com seu automóvel último modelo e, sobretudo, pagar pelo vultoso preço do estacionamento.

Espero que eu esteja errado. Seria altamente gratificante ver uma cidade onde as pessoas circulam pelos passeios, onde os meios de transporte tornam-se meio de sociabilidade e encontro (não de insegurança, desconforto e ateste de excluído social, como hoje), e esquecer, deixando para um passado superado, que os automóveis particulares foram um dia símbolo de pujança econômica ao mesmo tempo que isolavam as pessoas do mundo, dos seus concidadãos, de seu espaço público, de sua cidade.

sábado, 17 de outubro de 2009

Mídia negativa: espelho de uma racionalidade burra

Há um sem número de acontecimentos cobertos pela imprensa que trazem aos leitores e espectadores um mundo de poucas gentilezas, cordialidades e gestos de boas-vindas. Seja internacional - com as notícias do "barril de pólvora atômica" do Oriente Médio, os testes nucleares da Coréia do Norte ou a venda de terras da África a preço de banana -, seja nacionalmente, com as noticías da guerra entre policiais e traficantes (hoje no Rio de Janeiro, os bandidos simplesmente derrubaram um helicóptero da Polícia Militar), seja no local, com as notícias de traficantes atentando contra o patrimônio público ou um juiz matando um motociclista por simplesmente ignorar o bom senso e as regras de trânsito.

Desculpem-me os eventuais desinformados por não detalhar cada notícia citada, por presumir que à esta altura poucos não tomaram conhecimento deste mundo de garras afiadas. Na verdade, o que interessa neste texto é perguntar-se: quem somos nós, estes animais, que creditam a uma racionalidade o privilégio de serem chamados "filhos" de um suposto ser divino criador do Universo ao qual foi dado o nome de Deus? Bem, diante deste mundo pouco gentil e cortez, só três conclusões precipitadas me ocorrem: Deus não existe; Deus renegou seus filhos; nunca fomos ou seremos os filhos de Deus.

Na verdade, a reflexão deve ser bem mais profunda. A racionalidade humana, ostentada como o diferenciador essencial entre nós e o resto dos animais, de tão burra e irracional consegue fazer com que construamos um mundo humano tendente a mais tragédias e a menos dádivas. Daí porque tantos atos estúpidos - que alguns, por ainda creditarem à razão a salvação do homem, qualificam-nos de desumanos ou irracionais - preencherem nossa vida cotidiana e daí porque na mídia tamanha barbárie ser prioridade dos noticíários. O homem não só se automutila como precisa ver para acreditar que tal fenômeno de autodestruição lhe é intríseco por mais racionais se arvorem em ser.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Olímpiadas 2016: uma oportunidade

Depois do anúncio do Rio de Janeiro como a escolhida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para sediar as Olímpiadas de 2016, um festival de loas ufanistas e patrióticas e uma saraivada de ponderações com tons céticos, sim, mas um tanto pessimistas, tomaram os meios de comunicação de massa Brasil afora.

Entre aqueles mais "pés no chão", digamos, predominaram as lembranças de uma cidade tomada pela criminalidade (organizada ou desorganizada) nos morros favelados; dos megaempreendimentos hoje elefantes brancos do legado panamericano; ou ainda dos superralos de onde os grandes investimentos, algo em torno de US$ 11 bilhões, podem escoar para bolsos sabe lá de quem, desde empreiteiras, lobistas a políticos.

Do outro lado, os patriotas tupiniquins encantados com as possibilidades de desenvolvimento que um evento olímpico pode proporcionar para a cidade e ao País, seja desde a despoluição das águas da Baía de Guanabara até o incremento econômico - uma grande leva de turistas chegando ao Rio e outras cidades-pólo do Brasil, e a circulação de dinheiro (segundo economistas, cada real investido pode gera cinco vezes mais de riquezas).

Vai do bom senso, sobretudo para críticas desta natureza, fazer observações mais ponderadas. Por um prisma, o patriótico, não se pode esquecer, e não acredito que seja o caso, dos enormes desafios que a estruturação para uma Olimpíada exige. Claro que, mediante o volume de dinheiro em jogo, a realização dos jogos deve se converter em desenvolvimento social de uma longevidade razoável, escapando-se do desperdício do erário público, da locupletação pólítica, e do desvio de verbas. Pela visão pessimista, é descabido pensar que os problemas de violência e desigualdade social do País inviabilizem a Olimpíada.

O fato de sermos a 10ª economia do mundo e o 75º em desenvolvimento humano (IDH) só reforça a ideia de que realizações de grande monta econômica devem ser transformados em benefícios sociais à população, mas de modo algum evitados, sob o argumento prévio de que serão mal explorados, devido a interesses particulares da minoria. Seria o mesmo que dizer que devemos parar de crescer, porque as "fatias do bolo" nunca são igualmente distribuídas. Tal pensamento é provinciano e encobre, sob pretexto de uma precaução pseudocrítica, as possibilidades que um evento de tamanha dimensão pode trazer para o País.