sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Depois de exageros, a briga político-jornalística

O recente encrudescimento da relação entre o governo Lula, através do próprio presidente, e a grande mídia nacional fez brotar discussões calorosas e análises subsequentes que perpassam por temas caros como censura à liberdade de expressão e de imprensa, mídia partidária, jogo politico eleitoreiro e opinião pública.

Vou presumir que os leitores já saibam de todo o contexto, para não me tornar chato em repetições de assuntos dados de forma tão enfadonha, inútil e inescrupulosa. Bem, Lula se excedeu em algumas declarações sobre o comportamento da imprensa. Os jornais e revistas também, numa tentativa de contra-ataque. O mais recente e enérgico veio do jornal Extra. Veja aqui.

Por um lado, não se trata, como o presidente acredita ou pretender fazer crer, de uma mídia político-partidária, mas apenas partidária. E ela toma parte dos seus negócios jornalísticos. Então, que empresa de comunicação capitalista não publicaria denúncias de tamanha gravidade, como as que envolvem a ex-ministra Erenice Guerra?  Ainda que a narrativa seja abusiva em muitos casos, ela não foi inventada e provavelmente iria a público caso se tratasse de outro governo, como vimos exemplos inúmeros na era FHC.

Sei que a denúncia da revista Veja é inconsistente em muitos pontos. Não responde a uma pergunta crucial por exemplo: qual o interesse do lobista Fábio Baracat, sócio do filho de Erenice, em denunciar um esquema do qual ele mesmo fazia parte e se beneficiava? Já no caso do tal de "receitagate", porque um fato ocorrido em 2009 veio a público somente agora? Mas isso não minimiza as denúncias.

Na outra ponta, Lula está longe de ser um estadista autoritário que tenha intenções de controlar a imprensa. É fantasioso, histriônico e distorcido o levante da grande mídia nacional contra supostas medidas de censura por parte do governo. A proposta do Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ) veio da própria Associação Nacional de Jornalistas (ANJ) e o controle social referido no Plano Nacional de Direito Humanos 3 foi abertamente discutido com a sociedade em simpósios e congressos, dos quais os grandes empresários de comunicação, apesar de convidados, ausentaram-se.  E uma coisa é controle social, outra é censura.

Disso tudo, uma certeza. A acachapante popularidade de Lula (80% de aprovação) e a provável eleição de Dilma Roussef no primeiro turno mostram que o presidente acertou ao dizer que a "opinião pública somos nós", ou seja, o povo, e não o governo, como as interpretações jornalísticas insistiram em entender. A verdade é que o jornalismo tem perdido a posição mais privilegiada na formação da opinião pública, a ponto dessa não poder mais coincidir ou ser confudida com a opinião da grande imprensa.  

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A segmentação jornalística da violência

Lia o livro "Assalto ao Poder - o crime organizado", do jornalista Carlos Amorim, quando me ocorreu um estalo. Em uma crítica lúcida sobre a banalização da violência, refletida sobretudo na cobertura jornalística, Amorim registra, com lamentos, que a mídia ou deixa de cobrir a violência urbana por considerá-la insignificantemente cotidiana demais para ganhar o apreço jornalísitco, com exceção dos grandes acontecimentos, ou faz dela um grande espetáculo de horror.

Ele tem razão. Mas meu ponto é outro. Qualquer pessoa que tenha lido alguma coisa sobre violência urbana no Brasil sabe que as suas maiores vítimas são jovens pobres, sobretudo quando falamos em crimes contra a vida. Isso é fato, mas não deixa de me causar espanto um fenômeno, de natureza empresarial-jornalística, pelo qual passamos a ter, sob o argumento do direcionamento de conteúdo condizente a cada público-alvo, uma classificação da violência, aquela de rico, e aquela de pobre.

Na esteira da criação dos jornais populares, vejo empresas de comunicação defenderem duas narrativas jornalísticas  para o mesmo fato - uma no produto popular com ênfase no drama pessoal decorrente da violência, sensível às sensações, por assim dizer, para evitar o jargão "sensacionalismo"; e outra, atenuando os reflexos das mazelas criminais e, em princípio, atenta às causas do fenômeno. O cenário já é preocupante, no entanto se agrava porque o tema, sob a rubrica "Segurança", tem perdido importância nos grandes jornais, para se tornar quase exclusivamente matéria-prima da mídia popular.

Essas segmentações, do ponto de vista empresarial, são compreensíveis, mas são problemáticas do ponto de vista sociológico - e sob esse viés que minha burrice teima em me fazer ver e praticar o jornalismo. Torna-se extremamente reducionista acreditar que o público das classes ricas - ainda que acredite nisso - seja imune  ou defeso à violência urbana cotidiana, aquela vista como expressão da chamada "guerra civil não declarada", comumente associada  às áreas periféricas. O jornalismo está contribuindo para acentuar o discurso do apartheid social e dele próprio, ao invés de denunciá-lo e combatê-lo.

Bom que Carlos Amorim venha num esforço contínuo e brilhante de mostrar o problema da violência no seio de toda a sociedade, conectada ao crime organizado e ao poder, especialmente o econômico. Curioso que acabo de ler uma notícia na Folha Online: "Polícia prende 16 jovens de classe alta por tráfico de drogas no Rio". E aí a dúvida: vai para o jornal tradicional ou para o popular? E sob que critérios e nuances narrativos?  

sábado, 4 de setembro de 2010

Santo André: o vespeiro petista

Mais uma vez Santo André. O que esconde essa cidade paulista? Os mais enfadonhos, sujos e vis esquemas ligados ao PT brotam dali.  O que já vem sem chamado de "fiscogate"  - a quebra ilegal dos sigilos fiscais da Receita Federal de 140 pessoas, entre elas pelo menos quatro tucanos e a filha de José Serra -  tem na cidade seu epicentro.  

Algumas das operações identificadas como fraudulentas foram realizadas em computadores da agência da Receita Federal em Santo André, com a senha da servidora Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, inclusive a quebra do sigilo dos tucanos.

De Santo André também vem o novo personagem principal dessa história cabeluda do "fiscogate", o Antonio Carlos Atella Ferreira. Foi ele que com uma procuração falsa conseguiu os dados da declaração de renda de Verônica Serra, filha do presidenciável tucano. 

A Receita confirmou que a declaração de renda de Veronica referente aos exercícios de 2007 e 2009 foi acessada em 30 de setembro do ano passado na delegacia do fisco em Santo André. O documento falso solicitando os dados foi entregue por Atella, que se apresentou como procurador da filha de Serra.

Também não podemos deixar de lembrar do misterioso caso Celso Daniel, político assassinado em 2002 quando era prefeito da mesma cidade de Santo André. Pois bem, para quem quer meter a mão no vespeiro petista, deve começar por lá.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Poder do exército, poder do povo

Estou na fila para tirar a segunda via da carteira de reservista do Exército. Última quinta-feira, 02, às 8h da manhã, já havia pelo menos quarenta homens concentrados à porta do prédio número 03 da rua Chile, Centro Antigo de Salvador. Chegaram ali por volta das 6h, a maioria para jurar a bandeira, procedimento necessário para o alistamento junto às Forças Armadas.

Há onze anos cumpri o mesmo ritual. Cometi o vacilo de deixar minha carteira de reservista dentro de outra carteira, a de dinheiro (que, coitada, quase nunca o vê). Pois bem, roubaram-me. E lá se vai eu novamente acordar cedo - um pouco menos cedo desta vez, há uma década precisei chegar no quartel de Amaralina às 5h da matina - e refazer este documento tão fundamental. Sem ele, nada de tirar passaporte e garantir um cargo público por concurso.

As peculiaridades do Exército continuam as mesmas. Mecanismos altamente hierarquizados e burocratizados, a ponto de uma expedição de segunda via de documento levar nada menos que cinco horas, sob os gracejos nada inteligentes, desnecessários e, às vezes, abusivos,  dos sargentos de plantão, exibindo um poder que já não mais cultivam espontaneamente.

Durante a demorada espera, ouvem-se comentários sobre a conduta e o despreparo da infraestrutura para prestação do serviço. Se chovesse, pelo menos metade dos quarenta homens ia ter que aguardar feito pinto molhado do lado de fora - a sala de recepção não tinha capacidade para acolher todo mundo. Bem, e enfezar-se com os gracejos milicos era bobagem, correr o risco de ser obrigado a voltar outro dia, e, quem sabe, ter a sorte de fazer a carteira.

Mas lá pras tantas, do poder do sargento Miranda, era ele quem organizava o serviço naquela quinta, a conversa mudou para o poder político no sentido estrito de Estado. Três camaradas comentavam a gestão Lula, consideraram-na ótima, assim como 77% da população brasileira.

Curioso, foi o comentário de um deles. "Antes para comprar um pisante bom (tênis) você pagava até R$ 500, eu comprava uns de R$ 100, tudo vagabundo, não durava nem um mês. Hoje com isso, eu compro um pisante decente", disse. "Os ricos estão pirados porque Lula deu para os pobres, e neguinho pensa que pobre é burro. Deus deu inteligência a todo mundo, não tem essa história de burro, até a natureza é sábia", completou.

Não sei o nome dele. Sei que foi embora sem a carteira de reservista. Resolveu voltar no dia seguinte, porque tinha que trabalhar pela tarde, e já eram mais de 11h30. O processo dele foi difícil aquele dia. O sargento lhe disse que não havia registro algum dele no sistema e ele teria que fazer todo o processo de segunda via novamente. Segundo contou, já havia pagado a taxa e multa cobradas pela confecção da carteirinha, mas o sargento exigiu novo pagamento.

Duro, com o dinheiro só da passagem, foi salvo pela doação dos R$ 7 da taxa e multa. Fiquei com pena do camarada. Na verdade, é um vacilão porque se havia pagado uma vez era só mostrar o recibo de pagamento ao sargento. Sei lá, lembrei dele ao ler novamente o texto aí embaixo. Ele tem razão... De burro, o povo não tem nada.