quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A segmentação jornalística da violência

Lia o livro "Assalto ao Poder - o crime organizado", do jornalista Carlos Amorim, quando me ocorreu um estalo. Em uma crítica lúcida sobre a banalização da violência, refletida sobretudo na cobertura jornalística, Amorim registra, com lamentos, que a mídia ou deixa de cobrir a violência urbana por considerá-la insignificantemente cotidiana demais para ganhar o apreço jornalísitco, com exceção dos grandes acontecimentos, ou faz dela um grande espetáculo de horror.

Ele tem razão. Mas meu ponto é outro. Qualquer pessoa que tenha lido alguma coisa sobre violência urbana no Brasil sabe que as suas maiores vítimas são jovens pobres, sobretudo quando falamos em crimes contra a vida. Isso é fato, mas não deixa de me causar espanto um fenômeno, de natureza empresarial-jornalística, pelo qual passamos a ter, sob o argumento do direcionamento de conteúdo condizente a cada público-alvo, uma classificação da violência, aquela de rico, e aquela de pobre.

Na esteira da criação dos jornais populares, vejo empresas de comunicação defenderem duas narrativas jornalísticas  para o mesmo fato - uma no produto popular com ênfase no drama pessoal decorrente da violência, sensível às sensações, por assim dizer, para evitar o jargão "sensacionalismo"; e outra, atenuando os reflexos das mazelas criminais e, em princípio, atenta às causas do fenômeno. O cenário já é preocupante, no entanto se agrava porque o tema, sob a rubrica "Segurança", tem perdido importância nos grandes jornais, para se tornar quase exclusivamente matéria-prima da mídia popular.

Essas segmentações, do ponto de vista empresarial, são compreensíveis, mas são problemáticas do ponto de vista sociológico - e sob esse viés que minha burrice teima em me fazer ver e praticar o jornalismo. Torna-se extremamente reducionista acreditar que o público das classes ricas - ainda que acredite nisso - seja imune  ou defeso à violência urbana cotidiana, aquela vista como expressão da chamada "guerra civil não declarada", comumente associada  às áreas periféricas. O jornalismo está contribuindo para acentuar o discurso do apartheid social e dele próprio, ao invés de denunciá-lo e combatê-lo.

Bom que Carlos Amorim venha num esforço contínuo e brilhante de mostrar o problema da violência no seio de toda a sociedade, conectada ao crime organizado e ao poder, especialmente o econômico. Curioso que acabo de ler uma notícia na Folha Online: "Polícia prende 16 jovens de classe alta por tráfico de drogas no Rio". E aí a dúvida: vai para o jornal tradicional ou para o popular? E sob que critérios e nuances narrativos?  

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