sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Poder do exército, poder do povo

Estou na fila para tirar a segunda via da carteira de reservista do Exército. Última quinta-feira, 02, às 8h da manhã, já havia pelo menos quarenta homens concentrados à porta do prédio número 03 da rua Chile, Centro Antigo de Salvador. Chegaram ali por volta das 6h, a maioria para jurar a bandeira, procedimento necessário para o alistamento junto às Forças Armadas.

Há onze anos cumpri o mesmo ritual. Cometi o vacilo de deixar minha carteira de reservista dentro de outra carteira, a de dinheiro (que, coitada, quase nunca o vê). Pois bem, roubaram-me. E lá se vai eu novamente acordar cedo - um pouco menos cedo desta vez, há uma década precisei chegar no quartel de Amaralina às 5h da matina - e refazer este documento tão fundamental. Sem ele, nada de tirar passaporte e garantir um cargo público por concurso.

As peculiaridades do Exército continuam as mesmas. Mecanismos altamente hierarquizados e burocratizados, a ponto de uma expedição de segunda via de documento levar nada menos que cinco horas, sob os gracejos nada inteligentes, desnecessários e, às vezes, abusivos,  dos sargentos de plantão, exibindo um poder que já não mais cultivam espontaneamente.

Durante a demorada espera, ouvem-se comentários sobre a conduta e o despreparo da infraestrutura para prestação do serviço. Se chovesse, pelo menos metade dos quarenta homens ia ter que aguardar feito pinto molhado do lado de fora - a sala de recepção não tinha capacidade para acolher todo mundo. Bem, e enfezar-se com os gracejos milicos era bobagem, correr o risco de ser obrigado a voltar outro dia, e, quem sabe, ter a sorte de fazer a carteira.

Mas lá pras tantas, do poder do sargento Miranda, era ele quem organizava o serviço naquela quinta, a conversa mudou para o poder político no sentido estrito de Estado. Três camaradas comentavam a gestão Lula, consideraram-na ótima, assim como 77% da população brasileira.

Curioso, foi o comentário de um deles. "Antes para comprar um pisante bom (tênis) você pagava até R$ 500, eu comprava uns de R$ 100, tudo vagabundo, não durava nem um mês. Hoje com isso, eu compro um pisante decente", disse. "Os ricos estão pirados porque Lula deu para os pobres, e neguinho pensa que pobre é burro. Deus deu inteligência a todo mundo, não tem essa história de burro, até a natureza é sábia", completou.

Não sei o nome dele. Sei que foi embora sem a carteira de reservista. Resolveu voltar no dia seguinte, porque tinha que trabalhar pela tarde, e já eram mais de 11h30. O processo dele foi difícil aquele dia. O sargento lhe disse que não havia registro algum dele no sistema e ele teria que fazer todo o processo de segunda via novamente. Segundo contou, já havia pagado a taxa e multa cobradas pela confecção da carteirinha, mas o sargento exigiu novo pagamento.

Duro, com o dinheiro só da passagem, foi salvo pela doação dos R$ 7 da taxa e multa. Fiquei com pena do camarada. Na verdade, é um vacilão porque se havia pagado uma vez era só mostrar o recibo de pagamento ao sargento. Sei lá, lembrei dele ao ler novamente o texto aí embaixo. Ele tem razão... De burro, o povo não tem nada.

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