Em carreira curta ainda de jornalista, já cansei de ir às localidades pobres de Salvador procurar familiares de jovens assassinados e deparar-me com explícito temor dos parentes e vizinhos das vítimas em fazer valer seu direito a protestar, a se colocar, em meio democrático propenso à desnudez de distorções sociais e humanitárias, em lugar de um silêncio ensurdecedor que põe sob sombras, manchas em progressão sem controle, a cara, a identidade, a essência, a vida, a condição humana de tais pessoas. Quando se restringem ao anonimato, ou se esquivam de denunciar o ônus que a elas impinge a violência, revelam o fracasso do Estado de Direito, do processo civilizatório, em face do êxito da barbárie.
Em âmbito jornalístico, parece-me inócuo, deveras frustrado, apenas o relato do silêncio e do temor destas comunidades tomadas pelo tráfico de drogas como evidência da ausência do Estado. Ainda que a cobertura jornalística se eforce na direção de cobrar das autoridades a resolução do problema, sinto que a questão de segurança pública está consolidando-se aos moldes do que fez da educação pública brasileira motivo de vergonha nacional. Dos mais velhos, é normal escutar sobre o alto grau de excelência das escolas estaduais em tempos passados. Outrossim, o que vemos hoje é reflexo da gradual decadência de tais instituições que ao longo do tempo foram sendo abandonadas, ao passo que o setor privado ingressou na área educacional como alternativa para a geração formada em colégio públicos promoverem aos seus filhos educação de qualidade.
Espanta-me que o mesmo erro se repita na problemática da segurança pública - que vem como óbvio reflexo ingrato da falta de investimento em educação. Vejo uma classe média e alta e o próprio Estado se refugiarem em recursos tecnológicos de segurança - como carros blindados, câmeras, aparelhos GPS - como alternativa razoável para preservar uma saudável integridade cidadã (física e psíquica). O engano é que isso não é nada salutar. Enquanto nos protegemos, ou melhor nos encolhemos, em espaços cada vez mais demarcados e "minados" por estratégias de segurança, um mundo selvagem cresce ao redor, ditando com sangue, até onde e em que nível podemos exercer nossa liberdade. Isso porque, com desculpas pelo mau presságio, não será possível conter sob limites territoriais, como ocorreu nas escolas públicas, o que legamos à escória social. Desta vez, o que não queremos vê baterá em nossas portas e adentrará nosso porto seguro sem pedir licença.
E, para não me alongar muito, é errôneo achar que um Estado, exercendo mais forte seu poder de coerção, possa arrefecer as agruras de uma sociedade em "guerra civil" velada. Assusta-me vê ser necessário um Estado vigilante, quase onipresente, chegando próximo à ficção de George Orwells, em "1984". Nada mais porque isso é sintoma de uma sociedade empobrecida, em decadência. Lembrando, e tomando como base, as idéias anárquicas do saudoso escritor e psicanalista Roberto Freire (1927-2008), quanto mais precisemos de nos vigiar, ou de um Estado que o faça por nós, menos livres seremos. A liberdade deve ser a responsabilidade do bom senso.
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