quarta-feira, 30 de julho de 2008

Doha e a cruel globalização

O fracasso da Rodada Doha prova que a utopia da globalização como agente diluidor de fronteiras está longe da materialização, mesmo na esfera econômica como se evidencia com o passo atrás das negociações sobre a queda das barreiras alfendagárias, quem dirá quanto a uma integração que privilegie o desenvolvimento sustentável, termo tão caro hoje em dia, das regiões pobres do mundo. O sistema perverso e cruel, como dissera Milton Santos em 2000, vige em práticas claramente imperialistas, frustando o que defendeu e disse o ilustre geógrafo baiano ao prognosticar um futuro promissor caso uma "outra globalização" tomasse curso.

Para isso, sentenciou Santos, seria preciso que políticas fizessem valer a democratização do sistema das técnicas, dos seus elementos cognitivos e tecnológicos. Sem resultados, Doha revelou que os países desenvolvidos e mesmo alguns em desenvolvimento, como China e Índia, não estão dispostos a dar vez no mundo para mercados produtores menores, mesmo que no ramo primário de alimentos. Se EUA e União Européia seguem subsidiando seus produtores significa que alimentos produzidos em outros países mais modestos não poderão concorrer no mercado global, e sua mais valia (o motor que moveria um mundo como um bloco, disse Santos) estaria comprometida frente ao risco da crise inflacionária dos alimentos já em curso se agravar. Isso pelo simples fato de que os grandes produtores já não dão conta da demanda crescente por alimentos no mundo. Note-se ainda que, com o fracasso de Doha, estão previstos menos R$ 100 bilhões em um ano girando no grande mercado global.

Evidente está que as políticas econômicas, decisórias para os caminhos da humanidade, não se libertaram de uma visão fragmentada da dominação de territórios, hoje em dia também virtuais, mas sobretudo ainda concretos. Proteger seus mercados, patentear tecnologias, invadir reservas naturais são sinais claros que a idealizada revolução miltoniana de baixo para cima, através de uma amplitude do acesso ao sistema das técnicas, só poderá forjar-se por meio de radicalismos estruturais de natureza política. Afinal, os recursos primordiais da sobrevivência humana, o alimento e a energa, viraram o ouro da mina perdida dos grandes exploradores. A globalização só é discurso, o instrumento para poder trilhar os caminhos.

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