Começo a ter contato com e a pensar, mesmo que tardiamente, nos ensinamentos do geógrafo baiano Milton Santos. E à medida que adentro suas idéias, não consigo mais me enxergar criticamente imbuído do papel de jornalista. É preciso coragem, alertava Milton, para mudanças, sobretudo, se elas dependem de romper com aquilo a que se está umbilicalmente ligado. Colocar idéias diferentes de um pensamento único nas máquinas que engendram a perpetuação de um sistema hegemômico de natureza técnica-informacional. Este é o desafio do jornalista.
É difícil advogar a solidariedade em prol do coletivo sem bater de frente com o rolo compressor da mídia, eminentemente neoliberalista, embora vomite um discurso mastigado de que preza pelas bases sociais. Claro que no noticiário registram-se a pobreza das cidades, a violência e as desigualdades. Mas esse registro, muitas vezes frio, fragmentado, e invariavelmente efêmero, não alcança as contra-racionalidades locais que, sob a forma de uma violência estruturada, se põe como contraponto à racionalidade dominante, aquela mesma dos anunciantes que mantém o jornal. Há um contrassenso em esperar do jornalismo as ferramentas para reversões da ordem mundial. A ampliação do espaço de debate público, tão anunciado com a democratização do meios de informação, é um escárnio ao que se idealiza da democracia. Onde poucos conseguem por opinião não se pode esperar outra coisa que não a tirania do conhecimento.
Contrassenso ainda maior é que, como jornalista, talvez se esteja mais perto das contra-racionalidades locais, as quais Milton Santos atribui o poder de resistir à hegemonia técnico, científica e informacional, com o cultivo de formas próprias de vida. É nas reportagens in loco, ouvindo o povo, conhecendo diferentes modos de ser, explorando seus lugares, que se toma dimensão das especificidades possíveis de mudança. O triste é, que não raro, tais formas de vida imprimem nas páginas seu lado mais hostil, sua face de escória de um sistema perverso. Desafio o leitor a pensar em Calabar, Alto das Pombas, Bairro da Paz, Mussurunga, Engenho Velho da Federação, Planeta dos Macacos (todos bairros pobres de Salvador) sem associá-los a um desolador quadro de criminalidade. Não porque exista ali apenas violência e bandidos, mas porque a mídia no seu dever de informar põe em relevo essa faceta, de forma cínica e demagógica. Como é fácil alertar à sociedade de suas mazelas, retroalimentando-se das mesmas e de seus promotores, dominadores dos centros de decisões que dizem até onde e em que nível deve chegar o desenvolvimento.
Demorei a acreditar que o discurso jornalístico, pujante neste conflito de ser social e ser empresarial, é ascéptico e muito bem articulado. Ou não é loucura uma empresa que vive do capital e para o capital advogar por uma causa socialista? Todo jornalismo nasce de esquerda, já me dissera uma experiente repórter. Engano enfadonho, todo jornalismo é essencialmente de direita, embora se esconda em história mais longínqua em um discurso de esquerda e mais recentemente em um discurso de sustentabilidade democrática. A emersão das contra-racionalidades é um risco para o domínio oligárquico midiático, apesar de se querer maquear os objetivos finais. Pesandores da comunicação dizem que a imprensa liberta ao mesmo tempo que escraviza. Meu entendimento é: a tal escravização, sobretudo da informação, dá-se a partir da mesma liberdade. É como se, a grosso modo, tivessem nos dando corda para nos enforcar.
E, assim, por fim, pergunto-me, como dizer isso se não neste blog? Queria saber dos blogs dos veículos de comunicação o que eles andam dizendo. E queria saber dos blogs do Calabar, Alto das Pombas, Bairros da Paz, o que eles têm a dizer...
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