segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Carnaval público do privado



O primeiro dos quatro seminários sobre o Carnaval, promovidos pelo Grupo A TARDE, terminou há pouco em um cenário onde dois discursos deram a tônica: a ingênua ou irônica retórica da defesa do interesse público ante a pregação esperta e pragmática do movimento capitalista como motor único do mundo, nesse caso, do Carnaval.

Com os camarotes como centro das discussões, a antinomia se deu, por um lado, através dos jornalistas do Grupo preocupados em evidenciar uma situação de apropriação e exploração privada de uma manifestação pretensamente popular e pública, e de outro, por meio de empreendores, donos de camarotes, devidamente munidos dos argumentos que os colocam em situação de vantagem.

Na verdade, ideologias à parte, o fato é que o Carnaval de Salvador só chegou à tamanha dimensão graças às estratégias capitalistas inerentes à indústria cultural, que souberam se valer das diversas vozes artísticas baianas, importantes no cenário do showbussines brasileiro e até internacional, desde o trio elétrico até sua consagração com o que se passou a chamar de Axé Music.

As críticas já intensamente rebatidas sobre a natureza excludente da festa de Momo não podem recair sobre os atuais modelos de negócios carnavalescos, a não ser que ancorados em um contrapensamento sólido ao sistema exclusivo de acumulação de capital, essencialmente excludente - o que não é o caso do jornalismo empresarial e neoliberal. Por isso, foi extremamente confortável ao empresário Clínio Bastos, proprietário  do camarote Planeta Othon, desfazer com um simples argumento a pecha de elitista do Carnaval apregoada pelos jornalistas.

Não fosse a iniciativa privada (leia-se blocos e camarotes), expoentes da indústrica cultural baiana - essa mesma reforçada pela grande mídia - como Chiclete com Banana, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, entre outros, não fariam a festa para milhões de foliões, na sua grande maioria constituinte da massa sem acesso às benesses materiais de nosso sistema econônico. Daí a frase cortante de Joaquim Nery, da Central do Carnaval: "O Carnaval não pode ser visto como o responsável pelas nossas mazelas sociais".

Tem razão. É perverso constatar que a maioria esmagadora da população não tem poder aquisitivo para brincar em um bloco ou assistir a festa de camarote, e seja obrigada a se empurrar nas ruas. A culpa disso não é dos camarotes, até porque os circuitos não estão tomados por eles, como querem fazer crer os apocalípticos de plantão - e a maioria está instalada em espaços privados. Seria mais coerente acabar com os blocos. Responde Clínio Bastos: "Eu gosto da ideia de trios independentes, mas eles não são viáveis, a não ser que o Estado subsidie as atrações". Até onde sei, os cofres públicos não têm condições de bancar sozinhos uma festa dessa magnitude.

A solução, não sei ao certo, poderia passar pela cobrança de impostos à população direcionados especificamente para a realização do Carnaval, sem camarotes comercializáveis e sem blocos e cordas. Sei que soa um tanto temerário e irônico. Num sentido, porque nesse país, estado e cidade, os tributos já não fazem grande coisa em matéria de saúde, educação e infraestrutura. Noutro sentido, em consequência do primeiro, serviço público de qualidade tem tido sempre um pé da iniciativa privada, daí os pedágios, as rodovias, as clínicas, os planos de saúde, os blocos, os camarotes... Esse grande carnaval.

Um comentário:

Magali disse...

Precisamos, sim, pensar que a violência crescente na cidade tem tirado a tranquilidade dos cidadãos de ir e vir. Eu posso pagar pela folia, mas sempre preferi aproveitá-la de maneira independente. No entanto, só de pensar em multidão, pobreza, tráfico de drogas e polícia despreparada, elementos estes todos juntos numa mesma avenida, prefiro não sair de casa...
O carnaval é uma piada de mau gosto comparado a todos os problemas que ainda existem e estão por vir até a Copa...