quinta-feira, 10 de abril de 2008

"Não há atuação externa desvinculada da política interna"


Um olhar para fora que não se descuida das questões internas brasileiras. O horizonte de Tatiana Carvalho Teixeira, 25, está hoje intimamente ligado a essa perspectiva. Formada em Direito, essa soteropolitana está há pelo menos um ano em Brasília se preparando para concorrer a uma vaga no Instituto Rio Branco. Quer seguir a carreira diplomática.

Para tanto, a segunda entrevistada do quadro "Jovem Pensa o Brasil de Amanhã" enxerga com otimismo as atuais e futuras possibilidades de atuação feminina na defesa dos interesses nacionais. E quais seriam eles? Tatiana aposta na política de desenvolvimento de fontes limpas de energia - ligadas ao biocombustível - como passo irreversível para que o Brasil consolide sua importância no cenário internacional.

Dentro das fronteiras sulamericanas, o Brasil deve seguir sua tradicional pacífica política diplomática, sem que naturalmente perca a posição de grande líder do Mercosul. Direto da capital federal, via MSN, Tatiana Teixeira falou ao Nota Livre sobre estes e outros temas.

Nota Livre
- Que política externa o Brasil deve seguir agora que vem ganhando importância como potência econômica?

Tatiana Teixeira - Se analisarmos a política externa brasileira no século XX, observaremos que as suas principais características permaneceram inalteradas. O Brasil sempre buscou se pautar, à exceção de alguns momentos pontuais (e breves), pelo universalismo, pela busca de solução de conflitos no “leito diplomático”, pela legitimidade, pela articulação de consensos e pela tradição principista (respeito aos direitos internacionais). Essas características estiveram mais ou menos ressaltadas, a depender do contexto em que o mundo se encontrava. Frente aos desafios atuais (pós-guerra fria), com a ascensão de novos temas (desarmamento, direitos humanos, meio ambiente), globalização econômica e redemocratização, o país vem tentando abrir espaço, afirmar-se e estabelecer seu papel de destaque no cenário internacional. Podemos dizer que o Brasil é, sozinho, um país pequeno demais para exercer influência nas questões internacionais, mas, ao mesmo tempo, grande demais para ficar a par das discussões.

NLNeste sentido de país pacifista, o Brasil tem enfrentado dificuldades de estabelecer efetivamente as amarras do Mercosul. O país não pode perder a chance de no futuro se consolidar como líder na região, ante o atual posicionamento mais ponderado?

TT - Desde o governo FHC, o Brasil defende que o Mercosul goza de absoluta prioridade em nossa agenda externa. Devemos ter em mente que o bloco é formado por quatro países que passaram por processos de redemocratização recentemente, e com instituições ainda não muito consolidadas. Não há dúvidas de que o Brasil lidera o Mercosul, não só pela robustez de sua economia, mas também pela maior força de suas instituições se comparadas aos demais membros. Lembremos que a crise argentina do início da década foi em muito catalisada pela crise do Real. Um dos principais objetivos do processo de integração regional é a redução de assimetrias, e essas são significativas na região. Mesmo com a TEC (tarifa externa comum) permeada de exceções, o Brasil é o país que mais se favorece comercialmente no bloco. Paraguai e Uruguai desejam beneficiar-se do processo também. Corremos o risco de esses países simplesmente desistirem do Mercosul, firmando tratados de livre comércio que os EUA vem oferecendo por toda a América do Sul (e, ressalte-se, os EUA já conseguiram firmar alguns com Chile, Colômbia e Peru). O Brasil, ao atuar como líder, tem de arcar com os “custos da liderança”. O posicionamento ponderado do Brasil está em conformidade com as regras de direito internacional que o país defende. Precisamos invadir e anexar o Uruguai (como feito por D. João VI no século XIX) para que nos consolidemos como o líder da região? Essa não é a alternativa mais acertada.

NLHá uma grande animação com as novas perspectivas de política energética, com o desenvolvimento de fontes limpas. Na sua opinião, o Brasil deve entrar de cabeça no seu potencial agro-energético?

TT - Sua pergunta envolve dois temas altamente em voga: energia e meio ambiente. O exponencial crescimento de países como China e Índia, aliado aos atuais padrões de consumo dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, gera demanda nos dois sentidos: garantia de segurança energética e preocupação com o meio ambiente. Os biocombustíveis, nesse sentido, permitem fornecimento de energia com menor dano ao meio ambiente, sem comprometer o crescimento dos países. Acredito que chegaremos a um ponto em que fontes de energia renováveis não serão mera opção, e o Brasil tem interesse no desenvolvimento dessa fonte energética em todos os sentidos. Em seu discurso na Assembléia Geral da ONU em 2007, o presidente Lula defendeu o uso de biocombustíveis como meio de crescimento para países subdesenvolvidos, principalmente na America Latina e na África, na medida em que os países desses continentes podem produzir por meio da agricultura familiar e exportar o combustível limpo para o mundo. O discurso brasileiro não é de que utilizemos toda a nossa terra arável para plantação de cana-de-açúcar/oleaginosas, mas que desenvolvamos e exportemos essa tecnologia para outros países. A crítica de que a produção de biocombustíveis ameaça a segurança alimentar, a meu ver, é descabida. Já foi demonstrado que é possível aumentar a produtividade das plantações e que o espaço necessário a essas culturas não compromete a produção de alimentos. Mas a bacia de Tupi, recentemente descoberta, tem um potencial ainda desconhecido. Se o Brasil conseguir explorá-la, vai ter que compatibilizar a defesa dos biocombustíveis e do combate ao aquecimento global com sua capacidade exportadora. Por isso devemos ser cautelosos na crítica aos combustíveis fósseis.

NLFrente a essa visão de Brasil no mundo, como uma mulher jovem na diplomacia pode incutir idéias novas para perspectivas novas?

TT - Com a recente ampliação dos quadros do Itamaraty, aumentou o número de mulheres que ingressaram na carreira. Esse aumento, contudo, ainda não é significativo, nos últimos dois anos, cerca de 20 dos 100 aprovados no certame foram mulheres. Mas, olha, as perspectivas para jovens e mulheres no Ministério das Relações Exteriores têm aumentado muito. O ministério vem se renovando. Aliás, o ex-chanceler Azeredo da Silveira tem uma frase clássica: "a maior tradição do Itamaraty é saber renovar-se". E isso é verdade. Mulheres têm ocupado cargos significativos na Casa, e a nomeação de embaixadoras já é comum. Já podemos observar manifestações desse novo perfil, ainda que de forma incipiente, nas atuais iniciativas do Itamaraty. Esta tendência deve permanecer.

NLSaindo da visão para fora e partindo àquela para dentro. O País não pode continuar crescendo sem que suas instituições acompanhem as mudanças. A reforma política deve seguir qual direção?

TT - Não podemos conceber uma atuação externa totalmente desvinculada da política interna. Note que a atuação do Estado brasileiro externamente está voltada ao desenvolvimento do nosso país. As viagens do presidente e do chanceler são sempre acompanhadas de comitivas de empresários. Para tanto, é necessário fortalecer as instituições do país, vencer os gargalos que obstaculizam nosso crescimento. Como? A elaboração de uma legislação transparente é importante, mas não é suficiente. Acredito que o principal desafio do Brasil está na efetivação, na fiscalização, na garantia das leis. As discussões, geralmente, focam na atividade legislativa e descuidam do cumprimento. Isso é temerário, porque corremos o risco de envidar enormes esforços na consecução de uma reforma política, e esta se tornar letra morta.

TT - Você falou de desenvolvimento político e econômico, imbricado com um entrelaçamento de instituições fortes a uma política externa desenvolvimentista eficaz. Mas há uma corrente se formando que já vê o esgotamento do modelo capitalista, sobretudo agora com a crise do mercado imobiliário americano. Há uma tendência de que o Estado interfira mais na economia ou que o mercado mais robusto prossiga ditando as regras do jogo, num afã eminentemente capitalista?

TT - O Estado não pode se eximir de participar do jogo econômico. Mas já vivemos a experiência de Estado empresário no século passado e vimos que ela não se sustentou. A participação no capitalismo deve ser feita de forma inteligente. Lembremos do liberalismo do governo Collor. Para isso existem as agências reguladoras. Da mesma forma que a estatização não se sustenta, o liberalismo em sua forma ricardiana (referência a David Ricardo, pai do liberalismo clássico) prejudica os setores mais vulneráveis.

NL - Como Tatiana se vê dentro de um projeto de Brasil?

TT - Pode ser como futura chanceler? (risos). O prazeroso em estudar para a carreira diplomática é que a preparação exige um profundo conhecimento do país. Conhecer a história, a geografia, a estrutura social do Brasil é importante para definirmos nossos objetivos, interna e externamente. O meu projeto é justamente o de ter essa bagagem em mente quando for representar e defender os interesses do meu país no exterior. É assim que poderei fornecer minha contribuição para o projeto Brasil.

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