quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Contra um jornalismo tecnófilo

Tenho lido um pouco, ultimamente, sobre as relações entre as novas tecnologias de comunicação (NTC) e jornalismo. Tenho notado que tem se colocado em superevidência as mudanças que as NTC têm trazido e podem trazer para o campo jornalístico, em detrimento de princípios essencias da atividade profissional.

No meio do ano, salvo engano, um grupo de estudantes de Jornalismo da UFBa, entrevistou-me, e também outros jornalistas, sobre a rotina de produção da notícia. Ficaram estarrecidos - foi a impressão que me passaram - quando descobriram que até aquele momento eu não utilizava o Twitter, a mais nova entre as redes sociais constituídas dentro da rede mundial de computadores, a internet. Há dois meses, tornei-me um "twiteiro" e, cá para nós, ainda não consigo assimilar o porquê do estarrecimento daqueles estudantes, um tanto tecnófilos, parece-me. A tecnofilia,  na verdade, tem sido um mal para o jornalismo, fruto de um entendimento equivocado da relação entre a atividade jornalística e as novas ferramentas tecnológicas de comunicação.

Vou me ancorar no claro pensamento do experiente jornalista Ricardo Kotscho, apresentado em seminário de comunicação promovido pelo Banco do Brasil em novembro de 2007. Uma conclusão de Kotschö: "Em resumo, as novas tecnologias não ajudaram a melhorar a cultura jornalística. Ao contrário, estimularam a preguiça, a 'editorialização' do noticiário, a mesmice, o 'opinianismo". Outro dia, vi um post no Twitter que comemorava o fato de um técnico de futebol, que agora não lembro o nome, ter anunciado no Twitter sua saída de determinado time.  Significava que muitos leitores já tinham a informação antes mesmo de ela virar notícia na imprensa. Algum jornalista, antenado na rede social, leu a informação e a declaração caiu na chamada grande mídia.

É salutar à democracia que o Twitter, como outras espécies ou gêneros de NTC, possibilite a quebra do monopólio da produção e distribuição de informação. No caso, o técnico dispensou os jornalistas e foi direto, por assim dizer, à audiência.  A questão, no entanto, é que, diferente dos demais "twiteiros", os jornalistas têm a obrigação e o lugar de fala necessário para extrair da fonte informações mais detalhadas sobre o fato e o dever de contextualizá-las. Não poderá nunca se deixar restringir pelos limites de apuração dados pelos instrumentos tecnológicos disponíveis, sobretudo quando estes prometem um falso alcance de diálogo com a fonte.

Infelizmente, esse é o problema maior do jornalismo contemporâneo. Ele virou servo da velocidade de comunicação que as NTC hoje tornam possível. Como bem observou Kotscho, ao invés de usarmos a tecnologia a favor da qualidade e conforto de produção da notícia, incorremos no processo contrário. Temos, cada dia, menos tempo e menor autonomia para noticiar. O resultado são noticiários padrão, e pouca profundidade das matérias, e, pior, a falsa percepção de que as novas tecnologias exigem alterações essenciais do modo de fazer jornalismo, quando na verdade são ferramentas a mais ou leiautes diversos. O que diferencia uma chamadinha noticiosa de quatro palavras registrada em um bilhete e divulgada via celular? O alcance espaço-temporal de divulgação. Essa é a diferença. Mas para produzí-la precisou-se de avaliar o interesse público inerente, a precisão da informação e a fidedignidade com que foi publicada.

É claro, voltando aos estudantes, que o estarrecimento deles têm razão de ser. Não é razoável a um jornalista negligenciar um mundo de potencial fontes que lhe é possibilitado pelo Twitter e por outras redes sociais. Por isso, tornei-me membro. Entretanto, tal estarrecimento não afasta meu espanto em oservar que a preocupação deles com a relação jornalismo e tecnologia quase neutraliza e elimina relações bem mais imporantes como jornalismo e política, jornalismo e economia, e destas todas com tecnologia. Nenhum deles jamais ouvira sequer falar de Milton Santos (e eu confesso que sei muito menos do ilustre geógrafo do que deveria e gostaria), intelectual que ressalta a importância do entendimento dos diálogos entre a política e o estado da técnica para a compreensão da história. Por isso, eles pareceram-me tecnófilos, de compreensão irrefletida de um jornalismo igualmente tecnófilo, realizado da forma menos proveitosa.

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